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Como Ler Uma Fotografia – Parte 1

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O analfabeto do Futuro, disse alguém, não será aquele que não souber ler e escrever, e sim aquele que não souber ler uma fotografia.  Mas um fotógrafo que não sabe ler suas próprias imagens não é o pior que o analfabeto? A legenda não se tornaria a parte mais importante da fotografia?

Walter Benjamin em “Pequena história da fotografia”, 1931

Para que serve a teoria?

É perfeitamente possível levar uma vida plena e criativa sem nunca ter de se defrontar com vocabulários e tecnicalidades, por exemplo, da Semiótica, que, na melhor das hipóteses, podem parecer difíceis, e na pior delas, simplesmente irrelevantes.
O valor da teoria reside no fato de ela oferecer um conjunto de ferramentas que pode melhorar nossa compreensão de como e porquê uma fotografia funciona e o que isso significa.

Você, o fotógrafo, é o primeiro espectador do quadro, seu primeiro revisor, seu o primeiro leitor. Às vezes, você vê exatamente o que espera ver; às vezes, porém, pode ser surpreendido. Serão avaliados o enquadramento, o foco, a profundidade de campo, a cor, certo? O que estes aspectos dizem? O que significam?

Uma fotografia é sempre tempo passado, um momento fixado para sempre: é história.
É possível que conheçamos melhor o mundo por meio de sua representação fotográfica do que pela experiência direta. Nossas memórias visuais são excessivamente abastecidas com o que vivenciamos diretamente, fenômeno este que se acelerou muito com o crescimento da cultura de mídia digital.
Walter Benjamin dizia que a invenção da fotografia, No que diz respeito a seu respeito como podemos vivenciar e compreender o mundo foi revolucionária e democratizante e que transformou a ideia de arte.

Semiótica

A semiótica é um método de interpretar o mundo e analisar a produção de significado por meio de uma abordagem em que tudo é tratado como um sistema de signos a ser lido. Da mesma forma que lemos palavras em uma página –  dando sentido às marcações gráficas (letras),  as combinações de letras (palavras)  e ao sequenciamento de palavras -, “lemos”  também os signos no mundo que nos rodeia: fotos, rostos, corpos, roupas, música e até mesmo cheiros. Resumindo, esta abordagem propõe que tratemos tudo como um ”texto” a ser lido –  incluindo a nós mesmos e fotografias.

Linguagem é um recurso surpreendente: oferece a oportunidade de pensar, expressar, e comunicar ideias e sentimentos extremamente sutis e complexos.  arte de usar a linguagem de forma mais eficaz é chamada de “retórica” –  conceito este que pode ser facilmente aplicado à arte de criar imagens.  

O mesmo é válido para a fotografia. Além da escolha do tema em si, há uma sintaxe –  aplicada à imagem. Até certo ponto, cada fotografia é o resultado de escolhas e decisões.

A semiótica (às vezes também chamada de semiologia) tem suas raízes históricas no trabalho do linguista suíço Ferdinand Saussure,  cujas palestras Foram publicadas pela primeira vez em 1916, e no trabalho independente e quase contemporâneo do filósofo norte-americano Charles Sanders Pierce.

Hoje em dia, a semiótica é um elemento fundamental no vocabulário crítico e analítico da cultura visual, talvez mais evidente na leitura de anúncios publicitários.

Denotação e conotação

Todos que olharem para uma fotografia verão, literalmente, a mesma coisa. No caso de uma imagem de um cachorro todo mundo verá mesmo padrão gráfico e a maioria reconhecerá a criatura significada como aquilo que se classifica como cachorro. Isso é o que se chama de denotação, o significado literal de um significante. Trata-se do primeiro estágio da leitura.

No entanto, embora possamos concordar com o conteúdo da imagem, o significado dela estará sujeito a uma série de variáveis: alguns podem se lembrar de um animal de estimação querido, aqueles que foram mordidos ou perseguidos por um cachorro poderão projetar sua antipatia ou medo e aqueles que tenham um conhecimento especializado identificarão a raça do cachorro e suas características específicas ao olharem para a representação. Isso tudo é chamado de conotação: as ideias associadas sugeridas pela imagem, mas que não são explicitamente denotadas. São as experiências, o conhecimento, as preferências e as emoções individuais e subjetivas que contribuíram para as associações específicas.

“Gênero” é um termo usado para indicar um determinado estilo ou categoria de comunicação.  na fotografia, alguns gêneros possíveis são, por exemplo, o retrato, a fotografia documental, a de paisagem, a de moda… Normalmente, a classificação de gênero indica convenções associadas com a história ou a ética daquele estilo –  não com a finalidade de estabelecer regras, mas para facilitar a coerência.

No entanto, também é verdade que uma adesão servil às convenções pode produzir resultados previsíveis e sem graça, e que o trabalho mais estimulante, muitas vezes, é brincar ou até mesmo romper com essas convenções.

Imagens e texto; imagem como textos

Devido à natureza icônica de uma fotografia (sua semelhança ao que ela representa – ícone), o que a fotografia mostra é muitas vezes auto evidente. No entanto, esse reconhecimento instantâneo é imediatamente articulado em termos de nomes, rótulos e descrições. Mas o que a fotografia significa continua sendo altamente ambíguo e pode ser desmembrado em várias direções.

Em Retórica da Imagem (1964), Roland Barthes explica como o potencial que a imagem tem de produzir significados a deriva pode ser ancorado por palavras: legendas, textos publicitários, artigos e rótulos. Pode acontecer também que as palavras não sejam apenas uma legenda da fotografia, e sim parte da imagem – como parte do tema fotografado ou gravadas/ escritas na superfície da fotografia impressa. Neste último caso, o efeito pode ser o de chamar atenção para a fotografia como um objeto material, como um signo em si mesmo.

Ideias, práticas e crenças

Se compreender o mundo fosse apenas uma questão de aprender os nomes das coisas, a vida seria muito diferente dessa complexa experiência que todos nós conhecemos. Compreender o mundo depende de como você olha para ele, de seu ponto de vista.

Talvez seja útil lembrar que o próprio aparato da fotografia se oferece como uma metáfora das formas de ver – a câmera oferece um ”ponto de vista”.

É claro que você não precisa estudar semiótica para entender uma fotografia – tudo o que você precisa é de um pouco de senso comum…

A fotografia é um meio que tende a ludibriar: podemos ser facilmente seduzidos pela aparência das coisas.

O significado potencial de qualquer fotografia, como seus espectadores o percebem, pode ultrapassar – ou mesmo contradizer – o significado pretendido por seu autor. O fotógrafo não pode controlar as leituras feitas pelos espectadores: o significado de qualquer imagem é, na realidade, produzido pelo espectador.

Roland Barthes, em um ensaio intitulado “A morte do autor” 1968, desafiou a ideia corrente (e “senso comum”) de que a explicação para qualquer amostra literária se encontrava na pessoa do “ autor”. Porém, já que o autor não está de fato presente para nos explicar o texto, contamos apenas com nossos próprios recursos, com os quais interpretamos a obra.

É apenas ao contextualizar a imagem, ao trazer informações a ela, que o espectador poderá lê-la e interpretá-la corretamente. O que o espectador não pode ler em uma imagem é seu contexto.

Representação e realidade

A relação entre forma e  conteúdo é uma questão estética fundamental para todos que trabalham com imagem.  O estilo é importante – ele molda como foto que será lida.

O modo ficcional da fotografia pode ser explorado por meio da construção e da manipulação – abordagens essas que são tão antigas quanto o próprio meio.

O advento da fotografia digital aumentou a consciência sobre a manipulação de imagens.  Poderíamos, inclusive, dizer que a manipulação é, em algum grau, uma parte inevitável do processo em si – do enquadramento ao recorte, ao foco seletivo, à iluminação, ao escurecimento, à saturação de cores, às poses, à reencenação – cada fotografia é uma manipulação do material visual para produzir uma imagem.

De fato, poderíamos até mesmo nos perguntar: como seria uma imagem sem absolutamente nenhuma manipulação?

Texto extraído do livro “Como ler uma fotografia” de Richard Salkeld, 2014 © Editora GG

Acesse este link para responder a um pequeno questionário a respeito do texto que você acabou de ler.


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